quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Honras ao Capitão

Não é o andar trôpego da terceira idade que impede uma boa caminhada. Até porque os caminhos são construídos diante da determinação de quem pisa no solo com firmeza. Vários foram os passos dados por José Gomes durante sua vida, por isso inúmeras foram as estradas construídas através do trabalho, da fé e do amor.

O nosso José, filho do Capitão Israel Gomes da Silveira e de Maria Fernandes da Silveira, nasceu em Uiraúna no dia 1º de março de 1917. Por lapso do pai, o sobrenome Silveira não foi registrado em cartório e o simples binômio José Gomes foi lavrado em sua certidão de nascimento. Todavia o maior registro é aquele dado pelo povo, e nesse o José se tornou Dedé, que para se diferenciar dos outros anexou a suposta patente do pai. Sendo esse homem eternizado como Dedé de Capitão.

Veio de uma família numerosa, pois seu pai se casou três vezes, sendo ele filho do terceiro casamento com a já mencionada Dona Marica. Seus irmãos são Francisca Fernandes da Silveira, Manoel Israel da Silveira, Antônio César da Silveira, Misael Gomes da Silveira, Espedito Gomes da Silveira e Israel Gomes da Silveira Filho (Elzinho).

O Capitão Israel como tocador requisitado de fole de oito baixos e também primeiro vice-diretor da Sociedade de Difusão Artística de Uiraúna (SODAU), entidade mantenedora da Banda Jesus, Maria e José, muito contribuiu para a formação dos seus filhos na música, através do incentivo ao ingresso na escola local. Assim, Manoel, César, Misael, Dedé e Espedito tornaram-se músicos e ajudaram a fortalecer a Banda e o título ostentado por Uiraúna como terra de grandes músicos.

O talento dos irmãos foi tão impressionante que por quase sete décadas eles revezaram o título de maestro da Banda Jesus, Maria e José. Manoel Israel exerceu o cargo de 1933 a 1945, Misael de 1945 a 1947, Espedito de 1947 a 1956 e Dedé de 1957 a 2000.

O jovem Capitão aprendeu tocar trompa aos 13 anos com o maestro sousense Misael Gadelha. Após alguns anos de dedicação, ele começou tocar também trombone de vara, tuba e bombardino. Foi participando das festas religiosas locais e ensaiando diversos dobrados que sua carreira começou. Com os primeiros passos de músico muitas portas se abriram e vários caminhos foram percorridos.
 
Em 1944, ingressou no Exército em Campina Grande por convite do irmão César, depois foi transferido para João Pessoa, onde prestou serviços no 15º Batalhão de Infantaria. Em 1946, passou a ocupar o cargo de terceiro sargento da Polícia Militar da Paraíba como músico dessa instituição.

Dedé também foi comerciante em Uiraúna nos 50, quando abriu a Casa dos Retalhos localizada na Rua 31 de Março. Em 1953, ele fechou o negócio para trabalhar em Campina Grande no empreendimento de alfaiataria e camisaria do seu irmão César. Em 1956, retornou para terra natal e abriu a Sapataria São José, que se localizava nas proximidades do seu antigo comércio.

Em 1957, assumiu a regência da Banda de Música e soube guiar a filarmônica com responsabilidade. Através do seu trabalho, a banda participou de festas de padroeiras, retretas, transmissões de cargo e diversos eventos que ocorriam na região.

Diante das dificuldades apresentadas como maestro, Dedé sempre buscou ajudá-la. Em certa época, escreveu muitas cartas aos deputados federais da Paraíba solicitando subvenções e foi graças a elas que foi construída a antiga sede da Banda, localizada na Rua José Joaquim Duarte, popularmente conhecida como Rua da Telpa.

Seguindo os passos do Capitão a Banda triunfou nos festivais e encantou a Paraíba. Participando de três importantes concursos, o primeiro realizado em 1962 pela Argos Industrial no município de Campina Grande, a filarmônica conquistou o 2° lugar. Colocação repetida em 1973 no concurso patrocinado pela Gran Pires e PBTur em João Pessoa. Sendo o terceiro concurso realizado pela UFPB em Sousa, na década de 80, tendo sido a Banda de Música Jesus, Maria e José a grande vencedora.

Além disso, nos períodos de Carnaval, o maestro Dedé tinha uma missão especial, comandar a Orquestra de Frevo de Uiraúna. Foram muitas festas em diversas cidades da região como Cajazeiras, Pombal, Alexandria, Sousa, Pau dos Ferros, Itaporanga e Limoeiro do Norte. O frevo de Uiraúna se tornou tradição em diversos clubes da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará pela qualidade da atração e o compromisso dos músicos com o espetáculo.

As amizades incentivaram Dedé a se engajar politicamente. Em 1968, ele se candidatou a vereador pela ARENA, sendo o 3º mais votado do partido e depois eleito Presidente da Câmara Municipal. Na eleição seguinte, fez chapa com Manoel Nogueira Neto, na condição de vice-prefeito, conquistando a vitória com 3.402 votos. Em 1976, tentou voltar a Casa Legislativa, mas não foi bem sucedido. Por indicação de Dr. João Bosco Fernandes, Dedé exerceu também o cargo de Juiz de Paz em Uiraúna, cujas funções eram resolver pequenos conflitos e realizar enlaces matrimoniais.

Por todos os serviços prestados a comunidade uiraunense, principalmente como maestro da Banda de Música, Dedé foi homenageado pela Câmara Municipal de Uiraúna no dia do cinquentenário de emancipação política da cidade com a Comenda Benemérita Joca Claudino instituída pelo decreto legislativo 01/2003 e entregue em solenidade no Uiraúna Tênis Clube.

A vida de Dedé é recheada de bordões, que enfeitam uma prosa saudável com esse grande homem. Quando, por exemplo, uma pessoa está bem arrumada, ele elogia: “Parece ser outro”. Quando uma coisa é certa, afirma: “Tá direito”. De vez por outra ele diz brincando: “Maria Sabonete e Chico Tripa no Fubá”. Ele puxa o braço de um neto pequeno ou qualquer criança de colo e brinca:  “Piriri piriri pei pou”. Quando algo deve ser resolvido no futuro ele não titubeia: “É pra frente que as malas batem”. Quando alguém pergunta como vai ou ele responde “tô só o bagaço” ou “vou melhor que mereço a Nosso Senhor”. Para ele vida boa mesmo é dos outros e dobrado ruim é chocho.

Conversar com Dedé é sorrir pra valer. Basta sentar ao seu lado que logo começam as piadas, os causos e as anedotas. Existem histórias em que ele mesmo é o protagonista e outras que ocorreram com alguns conhecidos e familiares. Com certeza Dedé é um homem de muitos amigos porque ele sempre soube ser um amigo de verdade.

Dedé no cotidiano também tem seus prazeres, pois para ele numa mesa de almoço não pode faltar um jerimum e um feijão do bom, um passeio pela praia não é completo se não comer um caranguejo e beber uma água de coco, e uma boa dormida de rede é indispensável após cada refeição. Dirigir também foi seu grande hobby, até depois dos 90 anos ele ainda insistiu nessa ideia, mas uma fratura no braço impede que ele tome a frente do volante, mesmo estando regularmente habilitado.
Casamento de Salete e Dedé em 1951

Dedé conheceu Salete, sua esposa, durante a festa de São Sebastião no Bairro Cristo Rei em 1950. No dia do encontro, ele estava tocando na Banda enquanto Salete participava das celebrações religiosas. O namoro foi aprovado pelos pais da moça. Em 6 de novembro de 1951, eles se casaram no sítio Curupaity, numa cerimônia celebrada pelo Padre Anacleto e apadrinhada por Seu Joãozinho Fernandes, César da Silveira e respectivas esposas.

Como pai, Dedé é um grande companheiro e amigo dos filhos, guiando seus passos para o sucesso. Ao lado de Salete constituiu uma numerosa prole: Fátima (Bancária aposentada), Saliege (Professor e Músico), Lourdes (Enfermeira), Juliet (Enfermeira), Leonia (Professora), Liane (Engenheira e Auditora do Estado da Paraíba), Netinha (Médica), Paulo Sérgio (Farmacêutico e Capitão do Exército).

O avô Dedé é uma figura brincalhona, que os netos têm respeito e admiração. Um amigo para todas as horas. São ao todo 17 netos, são eles: Gomes, Marcela, Magnólia, Jéssica, Andréa, Adriana, Andressa, Felipe, Danilo, Camila, Tancredo, Danielle, Leonardo, Aaron, Lyvia, Séfora, Gabriela e Davi. Ainda tem 3 bisnetos: Israel, Irã e Aércio Neto.

Em um armário antigo da sua casa é guardado dezenas de dobrados, frevos e boleros. Dentre tantas músicas a mais especial é única – a Valsa Antônia Salete Fernandes. Falamos de muitas profissões do nosso José, agora chegamos ao Dedé compositor, que produziu apenas uma obra, todavia é uma belíssima valsa em homenagem a sua esposa. Preparou com todo carinho para aquela que foi sempre sua companheira e amiga. A harmonia das notas e a beleza dessa valsa correspondem à mansidão e a esbeltes da sua amada.

Como forma de homenagear esse grande músico a Banda do 15º Batalhão de Infantaria do Exército, na regência do Tenente Ramos, executou a Valsa Antônia Salete Fernandes no dia 20 de maio de 2010 na sede do batalhão localizada no Bairro Cruz das Armas em João Pessoa-PB. Um evento que ficou marcado no coração do maestro Dedé, pois aquela mesma instituição que ele já prestou serviços, naquele dia lhe rendia uma das mais belas homenagens que se pode fazer. A comoção foi tanta, que Dedé teve que recusar o convite do Tenente para reger a sua valsa, pois naquele momento não tinha condições emocionais de guiar tão dileta filarmônica.

Dedé e os músicos da filarmônica Jesus, Maria e José de Uiraúna

Esse gesto sublime dos militares teve como interlocutor o Capitão Paulo Sérgio, filho de Dedé que detém a verdadeira patente da família Capitão. Salete, também homenageada no ato, representou a firmeza da mulher e o zelo de uma companheira. Para os outros familiares a homenagem fica gravada não só nas fotografias como também na memória de quem presenciou aquele momento ímpar.

Palavras não faltam para qualificá-lo, mas se fossemos procurar no dicionário um sinônimo de Dedé, ele seria o vocábulo alegria. Um sorriso sincero, um abraço camarada, um aperto de mão são suas marcas diárias para os que passam pela Rua José Vieira Bujary. É exaustivo dizer que Dedé de Capitão é um bom amigo, mas para quem lhe conhece de verdade sabe que esse é seu maior orgulho: ser amigo.


Por Tancredo Fernandes
Matéria publicada na Revista Leia FELC

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